domingo, 13 de setembro de 2009

REFLEXÕES


São 17h49, em meu aposento ouço de Marcelo D2 “a procura da batida perfeita”. A palavra perfeita me suscitou vários questionamentos: pensei em questões platônicas; me enveredei nas indagações de Erasmo de Rotherdam sobre o elogio a loucura; de Shakespeare, fiquei com o amor; de Cascudo, a oralidade, que me levou a Guimarães e a Suassuna; Cuti, com sua poesia, enegrece minha vida e me traz, quando fecho os olhos, o ritmo harmonioso de Nei Lopes, na voz de Clementina, Alcione, Jovelina, D. Ivone e todas as outras negras mulheres, artistas ou não, que abrilhantam minha vida, em especial a minha mãe, irmãs e sobrinhas. Penso, então, na dificuldade que tem sido a construção coletiva. Penso na dificuldade que, também, tem sido a nossa luta solitária e por isso desejávamos remar contra a maré, pois no momento em que a sociedade caminha para a individualidade, nos propusemos ser um corpo feito de vários corpos - distintos, bonitos, performáticos, simples, aguerridos em sua religiosidade, comprometido com sua produção, uns políticos, outros não -, almejando construir juntos, todas as mãos em uma, uma em todas. Próximos de completarmos um ano de existência, e vários no pensamento de cada um/uma, sinto que sutilmente o desejo se esvai, sorrateiro ele passa pelos nossos dedos, escorre pelo chão, e está preste a cair no bueiro e correr para mar, mas não para encontrar com Yemanjá, mas sim para se perder na infinitude das águas claras, ora azuladas, ora turbulentas, ora calmas do mar. Mar este que um dia irá vira sertão, e que no antes, deixou aos peixes, mar atrás, a dignidade do nosso povo e os outros muitos - que na volta da arvore do esquecimento não esqueceram-, e agora avança ameaçando nos inundar e a desfacelar o corpo dos corpos, tornando-o vários, únicos, e só. D2 pede pra fazer barulho, e eu... é, preciso continuar, apenas olho para o lado e penso: neste Barco, quem é que está? Quem ajudará a remar?


Setembro de 2009
evandro nunes

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

poema

CAVALEIRO DO APOCALIPSE*
evandro Nunes **


Queime tudo!
Destrua tudo!

Eu descobri estas terras.
Eu prendi os índios.
Eu estuprei suas mulheres,
E os fiz engolir o meu crucifixo.

Eu escravizei os negros.
Eu destruí Palmares.
Eu Matei Zumbi!
Eu construí as cidades,
Eu trouxe o caos.
Eu sou o caos!

Eu te criei,
E o ensinei a não respeitar nada -
O outro não importa –
Você é o astro rei.
Por isso eu digo para queimar tudo, para destruir tudo, para acabar com tudo!

Ás vezes acordava no meio da noite com medo.
Sabe o que é ter o choro contido por não ter ganhado o presente do pai?
Pelo pai ausente, devorado por uma guerra tola do bandidismo ou pela mão do elegido.
Sabe o que é ver o choro do amigo diante do corpo –
Enterrado
Soterrado,
Violentado,
Desbarrancado,
Afogado –
dos amigos castrados de viver?
Sabe o que é o desespero mediante as emergências não sanadas?
Sabe o que é acordar no meio da noite com o estômago “roncando” de fome,
“chorando” de fome por não ter o que comer, mesmo sabendo que a mãe trabalhou o dia todo, o mês todo, um ano todo, uma vida toda e vocês não têm o que comer?
Um dia acordei com medo
E um abismo se abriu debaixo da minha cama,
Da minha casa,
Me engoliu
E eu gostei.

Por isso digo para queimar tudo!
Destrua tudo!
Acabe com tudo!
Polua o ar, ás águas, cave a sua própria cova e eu te darei a vida eterna.
Eu te darei o poder.
Eu sou o poder! Eu sou a vida eterna!
Eu sou Lúcifer! Lúcifer!


* este texto montado para a performance “pretopoetapreta” do TEATRO NEGRO E ATITUDE, é a junção de vários poemas de evandro nunes.
** evandro Nunes, é ator, diretor em teatro, educador social, poeta e pedagogo.